por Marcelo Barros
Desde alguns anos, a data do martírio do Zumbi dos Palmares se integra no calendário nacional como o Dia de União e Consciência Negra. Até alguns anos, poucos livros de história do Brasil contavam que, em 1695, senhores de engenho, bandeirantes de São Paulo e militares de Pernambuco invadiram o Quilombo dos Palmares, na Serra da Barriga, hoje Alagoas, onde viviam pacificamente mais de 30 mil pessoas, negras, índias e brancas em uma sociedade livre e mais igualitária.
Com respaldo da sociedade e da hierarquia católica, os invasores mataram milhares de homens, mulheres e crianças. O líder Zumbi dos Palmares, traído por um companheiro, preferiu entregar-se aos inimigos para evitar o massacre de mais gente. No 20 de novembro de 1965, foi fuzilado e teve seu corpo esquartejado em uma praça do Recife.
Mais de 300 anos depois, comunidades negras e quilombos são exemplos de resistência cultural e social do povo negro, em meio ao conjunto da sociedade brasileira, ainda injusta e discriminadora. Conforme o censo mais recente, 44% da população brasileira é afro-descendente, mas só 5% das pessoas se declaram negras.
Os dados mostram que as desigualdades sociais são mais profundas à medida que as pessoas pobres não só são empobrecidas, mas são negras. Dos brasileiros mais pobres, 64% são negros. O Brasil branco é 2,5 vezes mais rico que o Brasil negro. Nos últimos anos, as diferenças entre negros e brancos vêm se mantendo. Na educação, um branco de 25 anos tem, em média, mais do que o dobro de anos de estudo do que um negro da mesma idade.
O sistema de cotas, adotado por algumas instituições públicas, continua provocando polêmica. Poucas universidades adotaram este sistema. Muita gente se opõe às cotas, argumentando com o critério do mérito para os mais capazes. Alguém denominou de meritocracia o governo dos mais capazes. Só entra na universidade quem consegue provar ser melhor que todos que com ele concorrem.
Aristóteles já dizia que tratar de modo igual a pessoas desiguais é injustiça. Só reforça a desigualdade. Só o sistema de cotas não resolverá a desigualdade social ou racial. Mas, se, além das cotas, a universidade garante um acompanhamento especial e o sistema de cotas é integrado a critérios de justiça, pode tornar-se instrumento de integração social.
Não se trata de formar maus profissionais ou doutores medíocres, só para se ter índios ou negros diplomados. Abrir a universidade, como também outros espaços da vida social a todas as camadas do povo brasileiro, exige não só garantir uma vaga na instituição, mas também dar um acompanhamento direto e investir nesta integração.
De acordo com dados oficiais, entre os 3,5 milhões de universitários brasileiros, os negros já constituem quase um milhão. No ensino fundamental são 45%. É uma realidade melhor do que há poucos anos, quando a proporção era escandalosamente maior. Daqui há pouco, não acontecerá mais o que me contava um amigo pastor. Ao visitar uma grande empresa nacional, foi convidado ao escritório do diretor-presidente.
Quando entrou na sala luxuosa, viu do outro lado da mesa não um senhor louro de paletó e gravata, mas uma moça negra e jovem. Levou um choque. A sociedade inteira precisa deste choque de amor e justiça. Dom Pedro Casaldáliga diz: “a solidariedade é o novo nome da sociedade humana; a ternura dos povos”.
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